quinta-feira, 21 de junho de 2012

O Neuroastrônomo 1

Spitzer Telescope - M17 Nebula - ca2010




Mais uma noite estrelada no sertão nordestino. Os últimos pingos de chuva há muito haviam tocado este solo sofrido. A espiga do milho morre na roça e o gado arqueja com a barriga vazia e a garganta seca como a caatinga.

Mas o espetáculo noturno está garantido! A lua, sempre bem trajada em seu manto prateado, não comparece, dando espaço as suas coadjuvantes eternas no balé celestial. Acomodo-me em uma cadeira de macarrão, na calçada de minha casa, e assisto maravilhado ao desfile majestoso do Universo!

O universo é mágico!

A bilhões e bilhões de anos-luz da minha calçada, um simplório átomo de hidrogênio foi esmagado contra um semelhante nas gigantescas fornalhas estelares. A fusão liberou energia e deixou escapar uma partícula de luz – um fóton. Então ela partiu em sua carreira alucinada, livrando-se do astro que a originara e ganhou o imenso vazio do espaço. Mas essa partícula de luz não nasceu agora, ou ontem, ou mesmo semana passada! Ainda não havia seres rastejantes nesse planeta quando ela foi criada. Corrigindo, ainda não havia este planeta onde vivemos quando ela se lançou em sua jornada.

Minúscula, intrépida, manteve seu embalo desde a aurora dos tempos, assistindo com primazia ao surgimento de nossa galáxia. Viu de pertinho estrelas que nos fazem suspirar, nebulosas fantásticas, galáxias espirais, anãs brancas e quasares; em sua trajetória quase linear, escapou da voracidade de supernovas e buracos negros. Talvez escapou até de civilizações perdidas neste imenso fundo negro.

Tudo isso e ainda estávamos reduzidos a protozoários. Aprendíamos a converter gás carbônico em oxigênio, modificávamos nossa atmosfera e aquele raio luminoso ainda nem se aproximara de nossas cercanias. Nos mares, os primeiros sinais de outra maravilha se anunciavam. No princípio, eram apenas células difusamente espalhadas pelo corpo de poríferos – como o nosso amigo Bob Esponja! Contudo elas tinham a incrível capacidade de captar estímulos do ambiente e se comunicavam entre si. Subindo de filo, elas passaram a se organizar em gânglios e por fim em órgãos complexos, modificando-se e aperfeiçoando-se para seres que agora não eram mais sésseis!

Milhões de anos se passaram, bilhões de anos-luz percorridos, e florescia a humanidade, ostentando na cabeça uma massa gelatinosa contendo 100.000.000.000 de neurônios, capazes de realizar mais conexões possíveis que o número de partículas no universo conhecido ou imaginado! Em suas frontes, os olhos, janelas mágicas para o mundo em que vivemos, extensão prodigiosa do sistema nervoso para o ambiente. Varremos o planeta com nossa curiosidade, construímos cidades, desenvolvemos tecnologia e, como aquela pequena partícula de luz, nos lançamos à exploração espaço. E ela mal avistava nosso sistema solar!

Mas ela chegou! Há quatro anos, passou pertinho do Alfa Centauro, a estrela mais próxima do Sol. Há poucas horas, avistou o rebaixado Plutão. Admirou-se com os magníficos anéis de Saturno, atravessou o cinturão de meteoros que separa Marte do gigante Júpiter, rasgou nossa atmosfera, sofrendo uma leve refração em seu percurso, e mergulhou em minha íris.

E como não se emocionar? Essa é a dádiva da natureza! Esse é o verdadeiro milagre! Nascida nos confins do universo, aquela incrível partícula de luz, sem massa, uma onda eletromagnética carreadora de energia, atravessou eras e eras, distâncias inimagináveis e veio depositar-se placidamente num buraquinho de 5mm situado em meu olho. Caminhou mais alguns centímetros e excitou um neurônio em minha retina, o qual transmitiu ao meu cérebro sua informação preciosa.

Então me dou conta que o que vejo quando admiro o céu é apenas um retrato de um passado longínquo! Aquela estrela, mãe desse fóton, certamente não existe mais. Em sua gana por mais combustível, converteu todo seu hidrogênio em hélio e depois usou essa matéria para gerar mais energia, num processo que aumentou seu corpanzil e a fez implodir numa supernova, atirando matéria por todo o espaço, matéria essa que deu origem aos elementos dos quais somos constituídos. Hoje, talvez, não passe de um buraco negro, uma estrela morta.

Mas, no meu céu, ela ainda está viva e todas as noites volto a calçada para admirá-la e receber suas filhas, promovendo o insólito encontro de partículas milenares com minha jovem retina.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Sobre as Estrelas...


Uma breve passagem do meu livro, para apreciação geral.



...
Do lado de fora, encontravam-se apenas Sidarta e Silvia. Os dois estavam deitados, olhando para o céu. Apenas um tapete cozido a partir de talos de gramíneas os separavam do chão. A orelha direita do maculado encostada a mesma orelha da garota. Juntos, admiravam o firmamento, perfeitamente iluminado.
- Sempre fui fascinado pelas estrelas! – comentou o rapaz.
- São lindas mesmo! Fico me perguntando, como seria viver entre elas? Deve ser um lugar lindo, pacífico.
- Aí é que você se engana! Essa aparência bela que nós observamos daqui é apenas uma ilusão.
- Como assim?
- As estrelas são enormes fornos nucleares, com temperaturas altíssimas. Algumas, às vezes, explodem, destruindo tudo que há pelo horizonte, derramando radiação e destroços por todo espaço.
- Nossa, que horrível! Como você pode admirar uma coisa dessas? Meus antepassados imaginavam o céu como uma enorme pele que cobria o firmamento. Nessa pele estavam grudados os espíritos luminosos que nos guiam à noite, quando o grande sol morre no oeste. Aí elas velam por nós até que o astro luminoso vence a morte e renasce no leste. Às vezes algumas se lançam do céu e vem para pertinho da gente. Eles também me contavam que a posição delas poderia nos dizer coisas quanto a nossa sorte, sabe? Coisas do futuro!
- Bem, eu não acredito nisso! Meu pai foi – o jovem hesitou por um instante, engolindo uma agonia que lhe acrescia pela garganta - é um homem muito inteligente – continuou – e nós passávamos as noites assim, como estamos agora. Era quando ele me ensinava as coisas da natureza. E sempre que ele falava das estrelas, eu me emocionava.
- Mas pelo que você disse, elas são terríveis!
- Não da maneira como eu as vejo. Meu pai me explicou que vivemos num universo muito grande, muito grande mesmo, tão grande que a luz, que é a coisa mais rápida que existe, levaria bilhões de anos para atravessá-lo de uma ponta a outra.
- Nossa! Então é maior que esse deserto?
- Caberiam bilhões, trilhões, infinitos desertos como esse no universo.
- E como foi que ele surgiu?
- Dizem que começou quando tudo que tem hoje no mundo cabia num pontinho. Aí ele explodiu e expandiu.
- E antes disso? O que havia antes disso?
- Não sei!
- E você ainda não me explicou como uma coisa mortífera pode ser bela!
- A beleza disso depende da maneira como você as vê. Olha, antes no universo só havia gás. Enormes bolas de gás que se juntaram e formaram as estrelas, essas que ficam piscando à noite – Sidarta ergueu a mão e apontou para algumas. – Cada estrela pode viver por muitos anos e, enquanto elas vivem, vão formando os outros elementos da natureza. Aí um belo dia o gás acaba e ela vira um supernova. Ela incha, fica bem grande e explode, sobrando apenas um buraco negro no lugar.
- Lá vem você de novo com as explosões! – falou soltando um leve sorriso e cutucando o ombro do maculado.
- Aí que começa o fascínio! Ela explode e jogo detritos por todo o espaço, o que chamavam de poeira estelar. Essa poeira se junta de novo, formando novos corpos celestes e novas substâncias, como a água, o oxigênio, a areia, dentre outras coisas. Esses corpos celestes não tem luz própria, por isso eles apenas refletem a luz das estrelas.
- Esses seriam os planetas?
- Isso mesmo! Veja ali um deles – apontando novamente para o céu. – Aquele é Marte, o quarto planeta do sistema solar. Todo feito de rocha, infelizmente desabitado. Quando ocorreu o holocausto, estávamos prestes a mandar as primeiras expedições tripuladas para lá. Uma pena! Olhe outro ali! Aquele é Júpiter, o maior planeta do sistema. É uma gigantesca bola de gás. Ali tem mais outro. Acho que é Saturno. Esse eu acho o mais belo!
- Por que? Tem muita destruição por lá também?
- Engraçadinha! Este é o planeta dos anéis. É o segundo maior, também feito em sua maioria por gases e rodeado por um belíssimo anel feito de poeira que não se agregou ao planeta!
- Como você pode dizer que é belo se nunca o viu?
- Mas eu imagino!
- E onde você aprendeu sobre esses anéis mágicos do tamanho de um planeta?
- Eu lhe disse, meu pai!
- Você sente muita falta dele?
Os olhos de Sidarta marejaram. O silêncio do maculado serviu como resposta. Silvia então tentou voltar ao assunto.
- Além desses anéis, o que mais tem de belo nesse seu universo?
- A mesma poeira estelar que deu origem aos anéis de Saturno também estão presentes aqui na Terra. Somos resquícios das estrelas. Os átomos que formam meu corpo, minhas mãos, pés, olhos, lábios podem ter sido originados de explosões diferentes daquelas que formaram os átomos que hoje estão presentes em você...
- Mãos, pés, olhos, lábios – repetiu a garota.
- Isso mesmo – assentiu com um tímido sorriso. – Estrelas longínquas bilhões de anos atrás que posso unir com um simples gesto – mirava fixamente o rosto de Silvia. Com um impulso delicado, sorveu a umidade dos lábios da garota, apreciando com deleite a maciez e o gosto daquele sabor inédito, quente, delicioso. Seu coração disparava num ritmo novo. Afastou-se comedido, abrindo os olhos e se deparando com um sorriso tímido, mas de desfrute. Encabulado, também sorriu.
- Isso sim é lindo!
- Como eu estava...
- Shhh! – interrompeu Silvia. – Não estrague o momento com mais ciência!
...


(PROMETEU, BR Rosado, capítulo XI - A Dança de Shiva)